domingo, 17 de outubro de 2010

O contrato(Dimensões BR)

Vinicius S. Reidryk

Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 2006.

Uma perseguição na Teixeira de Freitas, Centro, Rio de Janeiro, fazia com que uma pessoa corresse desesperadamente, vislumbrando atrás dela o assassino encapuzado e com uma máscara negra no rosto. André Frederico Silveira Machado Gomes Rocha, um homem alto e elegante, tentava chegar o mais rápido possível em casa, na esperança de salvar a própria vida. Um péssimo final para um dia ainda pior.
Na Avenida Rio Branco, onde morava com a família, o rapaz olhou para trás e não viu mais o assassino. Eram exatamente vinte e duas horas. Talvez ele tivesse desistido. Ou armasse um próximo ataque... Apesar da falta de fôlego, André continuou fugindo. Quando se aproximou de seu prédio, o segurança na guarita abriu o portão automático. Finalmente estava em casa.
Dispensou o elevador e subiu as escadas, suado, respirando rapidamente e pensando que escapara por pouco da morte. Ao entrar no apartamento, viu seus dois meninos brincando numa grande algazarra.
— Não corram dentro de casa – pediu. – Quantas vezes eu já falei isso?
As crianças obedeceram no mesmo instante. André, porém, não lhes deu mais atenção. Foi até o quarto. Queria tomar um banho e descansar. Assim que abriu a porta do guarda-roupa, percebeu alguma coisa errada e olhou para trás. Não viu nada diferente, estava tudo em ordem. Pegou algumas roupas limpas e se dirigiu ao banheiro.
Sua esposa adormecera no sofá da sala, dominada pelo cansaço. Na cozinha, deixara um prato com comida para que ele esquentasse no micro-ondas como de costume, pois sempre voltava muito tarde do trabalho.
Após o banho, encaminhou os filhos para o quarto deles. Já passava da hora de dormir. Como sempre fazia, contou-lhes uma história antes que pegassem no sono.
Assim que adormeceram, um vento forte invadiu o quarto por um instante, balançando tudo em que tocou. Temendo que seus filhos pegassem um resfriado, André fechou a janela. Deu um beijo na testa de cada filho e, quando fechava a porta, teve a impressão de ver um vulto do lado de fora da janela. Ilusão, pensou. Moravam no décimo andar. Só se alguém ficar flutuando lá fora, riu.
Na cozinha, pegou o prato de comida, em cima da mesa, e abriu a porta do micro-ondas. Ia digitar o tempo na tela quando a imagem de uma pessoa surgiu diante dele. O mesmo vulto da janela... Amedrontado, reconheceu seu chefe. O prato caiu de sua mão e se espatifou no piso. Estou louco, deduziu o homem. Assim que piscou, a imagem desapareceu.
— Amor, o que houve? – perguntou a esposa, entrando na cozinha.
André respirou fundo e foi buscar a vassoura e a pá.
— Nada, querida, só me descuidei.
— As crianças já estão dormindo?
— Já.
Sem dizer mais nada, ele recolheu a comida e os cacos de vidro antes de levá-los à lixeira. Perdera a fome.
— Vamos dormir também – sugeriu a esposa, puxando-o carinhosamente pela mão.

(...)

Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 2006.

Na manhã seguinte, percorrendo as ruas movimentadas do Centro, André outra vez sentiu que o seguiam. Olhou para trás e viu uma mulher loira e magra, de olhos azuis, cabelos à altura dos ombros. Dobrou uma esquina, depois outra. Atravessou a rua e, então, deu meia-volta, tomando a direção contrária. A mulher continuou a segui-lo.
Amedrontado, o homem começou a correr. Adiante, esbarrou em alguém. Era o sujeito mascarado da noite anterior.
— Olá, André! – disse ele, como se reencontrasse um velho amigo.
— O que você quer?
— Você não pode fugir para sempre.
E sumiu, como se não fosse de carne e osso.
André correu muito até seu escritório. Não cumprimentou seus colegas, não reparou em nada. Não soube que o chefe sumira na noite anterior e que todos, claro, estavam preocupados com ele. Apenas se fechou na sala em que trabalhava sozinho. Não aguento mais, não aguento mais...
Um comprimido para dor de cabeça ajudou-o a relaxar um pouco.
Exausto, arrastou os pés até o banheiro. Abriu a torneira, lavou as mãos e o rosto. Ao fitar o espelho à sua frente, reparou na mensagem escrita com batom.
Você não pode fugir para sempre.
André cambaleou para trás.
E então voltou a correr. Para casa. Imediatamente.
Um vento forte o acompanhou pelo caminho. Viu pessoas mortas... Uma segurando a cabeça, outra com a garganta cortada. Uma, cerrada ao meio, rastejou pelo chão até ele...
André escapou de seus dedos gelados. Parou numa esquina e engoliu todos os comprimidos para dor de cabeça que carregava no bolso do paletó. Fechou os olhos. Quando ergueu as pálpebras, a vida voltara ao normal.
O efeito, porém, durou pouco. No portão de seu prédio, olhou para cima. Viu espíritos sendo levados para baixo, saindo de todos os andares, passando por ele...
As lágrimas nublaram seus olhos. O portão estava entreaberto. Entrou. Na guarita, o segurança morrera, esfaqueado.
No hall, virou-se na direção da escada. Lá estava o sujeito mascarado, nos últimos degraus, segurando na mão direita uma imensa faca ensanguentada. Minha esposa, meus filhos!, desesperou-se André.
— O contrato era tão simples! – disse o sujeito. – Por que não cumpriu sua parte?
— Por favor, eu...
— Voltei o tempo para você em três anos, como combinamos. Assim você teria a chance de se vingar de todos que te humilharam, te desprezaram. Seu chefe, seus vizinhos, sua esposa, seus filhos... Mas o que você faz, hein? Muda tudo o que combinamos!
O desespero deu coragem a André.
— Você não entende? Eu tive a chance de alterar meu passado! Não me viciei em drogas, não traí minha esposa, não bati no meu chefe e nem perdi meu emprego. Fiz tudo certo desta vez.
O mascarado se aproximou. Ergueu a faca, parando a ponta da lâmina a centímetros do coração humano.
— Como você não cumpriu sua parte do nosso contrato – murmurou, com desprezo –, tive de fazer o que você não fez.
E entregou à arma a André antes de desaparecer no vazio.
Atônito, ele demorou a entender o óbvio. Todos agora estavam mortos: o chefe, os vizinhos, a esposa, os filhos...
Um calafrio lhe mostrou o final da história. Era ele quem segurava a arma do crime.
— Parado, polícia! – gritou um dos homens que invadiram o hall do prédio na Avenida Rio Branco.

(...)

Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 2009.

Um minuto para meia-noite do dia seguinte...
Uma forte chuva com relâmpagos rasantes naquele lugar escuro. Um porão imundo, numa casa abandonada.
Sem dinheiro para alimentar o vício em drogas, André só alimentava o ódio mais profundo. Queria ver sangue. Muito sangue mesmo. Queria que aquela vagabunda da ex-esposa implorasse pela vida miserável dela. Queria arrancar um a um os dentes daquele sorrisinho de satisfação do ex-chefe. Queria que os vizinhos esnobes do prédio onde morava, antes de ser despejado pelo excesso de dívidas, tivessem a pior das mortes. E os próprios filhos, então, que o desprezavam abertamente? Queria que eles...
— Olá – disse uma voz ao seu lado. Pertencia a uma mulher loira e magra, de olhos azuis, cabelos à altura dos ombros. – Conheço alguém que pode ajudar você.

Um comentário:

  1. Esse conto eu tive o prazer de ler em papel, adquirindo o Dimensões.BR diretamente com o Vinícius.
    Parabéns pelo trabalho!
    Abraço.

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